Imóvel em Área de Proteção é Irregular - non aedificandi. No julgamento do Processo REsp 1376199 / SP que construção em área de proteção de mananciais ( represa ) é irregular por ser área non aedificandi, mas se aplica responsabilidade civil do Estado por omissão na ausência de fiscalização ambiental.
Imóvel em área de Proteção ( represa ) é irregular.
Ementa
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSOS
HÍDRICOS.
PRIORIDADE DO
ABASTECIMENTO PÚBLICO. LEI
9.433/1997. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO POR OMISSÃO DE
FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. LEI
6.938/1981. DANO IN RE IPSA
AO MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM
ÁREA DE PROTEÇÃO DE MANANCIAIS. RESERVATÓRIO GUARAPIRANGA. ÁREA
NON AEDIFICANDI. IMPUTAÇÃO
OBJETIVA E EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. MUDANÇAS
CLIMÁTICAS.
1. Trata-se,
na origem, de
Ação Civil Pública
proposta pelo Ministério Público
paulista contra o
Estado de São
Paulo e a Imobiliária Caravelas
Ltda. Nos termos da peça vestibular, a segunda ré construiu imóvel em área de manancial
(represa de Guarapiranga), na faixa
non aedificandi. O
Tribunal de Justiça
reconheceu a existência das
edificações ilícitas e
determinou sua demolição, entre outras
providências.
IMPORTÂNCIA DA ÁGUA
2. Indiscutível que sem água
não há vida. Por força de lei,
abastecimento público é uso prioritário por excelência dos recursos
hídricos (art. 1º,
III, da Lei 9.433/1997). Logo, qualquer outro
emprego da água,
de suas fontes e do entorno dos rios, lagos,
reservatórios e fontes
subterrâneas que venha
a ameaçar, dificultar,
encarecer ou inviabilizar o consumo humano,
imediato ou
futuro, deve ser combatido pelo Estado, na sua posição de guardião
maior da vida
das pessoas, com medidas
enérgicas e eficazes de prevenção,
fiscalização, repressão e recuperação.
3. Qualquer
outro interesse igualmente
legítimo - habitação, comércio, indústria,
lazer, agricultura, mineração
- empalidece diante da
imprescindibilidade e caráter
insubstituível da água, recurso precioso
que só existe
onde existe, ao
contrário de atividades concorrentes que, além de fungíveis, podem,
em tese, ser localizadas e exploradas
em variados pontos do território.
4. Nas metrópoles, caracterizadas pela alta
densidade populacional, o valor
da água se
avulta diante da crescente
escassez, que as assola de
maneira geral, agravando-se pelas mudanças climáticas: o que se tem
já não basta para abastecer sequer os "com água", muito menos os
milhões ainda "sem
água", os carentes ou excluídos desse serviço tão vital à
dignidade da pessoa humana.
5. E
nem se fale em direito adquirido à ocupação, prévia
ou não, pois, nos
planos ético e
jurídico, ninguém possui ou incorpora, legitimamente, direito
de matar de
sede seus semelhantes, pouco importando o
pretexto do momento,
da crise habitacional à crise econômica, da
especulação imobiliária ao
exercício de iniciativas produtivas úteis, que
geram trabalho e renda.
DANO AMBIENTAL
EM ÁREA NON
AEDIFICANDI
6. Correto o Tribunal de Justiça ao
concluir que "se verifica a ocorrência de lesão ao meio ambiente pela
construção de imóveis em área non aedificandi, que sujeita o infrator a
sofrer as sanções previstas em lei", deferência judicial à
posição primordial da
Represa Guarapiranga no abastecimento público da
região metropolitana de São Paulo.
7. Com
efeito, se a
legislação prescreve ser
o terreno non aedificandi, hipótese
das Áreas de
Preservação Permanente, edificação que
nele ocorra vem, automaticamente e em si própria, qualificada como
nociva, por presunção absoluta de prejuízo ao bem ou bens
protegidos (saúde, água,
flora, fauna, paisagem, ordem urbanística, etc).
Trata-se de dano
in re ipsa, inferência do próprio fato
- edificação, ocupação, exploração ou uso proibidos falam por si mesmos.
8. Incompatível
com pretensas justificativas técnicas ou jurídicas em sentido contrário,
tal ficção legal, lastreada na razoabilidade e no bom
senso, expressa verdade
indiscutível e, por isso, dispensa perícia destinada a
constatar ou contestar prejuízo concreto, já que vedado ao
juiz convencer-se em sentido contrário. Não se faz prova ou contraprova daquilo
que o legislador presumiu juris et de jure. No caso
de reservatórios de abastecimento público, inútil convocar perito para
desqualificar a lesão, ao apontar
a não ocorrência de assoreamento, impermeabilização, contaminação
direta da água ou, ainda, a
presença de emissários
coletores de
efluentes.
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO ESTADO POR OMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO
9.
Segundo o acórdão recorrido, deve ser excluída a responsabilização do Estado, mesmo que reconheça haver o
Ministério Público notificado
a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que não utilizou meios efetivos
para sanar a violação e fazer cessar o dano.
10. Nesse
ponto, o Tribunal
de Justiça se
distanciou da jurisprudência do STJ.
Não se imputa ao Estado, nem se mostra viável fazê-lo, a posição de
segurador universal da integralidade das lesões sofridas
por pessoas ou
bens protegidos. Tampouco parece razoável, por
carecer de onipresença, exigir que a Administração fiscalize e
impeça todo e
qualquer ato de
infração a lei. No entanto, incumbe ao Estado o dever-poder de
eficazmente e de boa-fé implementar as
normas em vigor, atribuição que,
no âmbito do meio ambiente, ganha
maior relevo diante
da dominialidade pública de muitos dos elementos que
o compõem e da diversidade dos instrumentos de prevenção, repressão
e reparação prescritos pelo legislador.
11. Apesar
de se ter
por certo a inexequibilidade de vigilância ubíqua, é mister responsabilizar, em certas
situações, o Estado por omissão, de forma
objetiva e solidária, mas com execução subsidiária (impedimento à
sua convocação per saltum),
notadamente quando não exercida, a tempo, a prerrogativa de demolição
administrativa ou de outros atos
típicos da autoexecutoriedade ínsita
ao poder de polícia.
12. Segundo
a jurisprudência do
STJ, "independentemente da existência de
culpa, o poluidor,
ainda que indireto (Estado-recorrente) (art.
3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e
reparar o dano
causado ao
meio ambiente (responsabilidade objetiva)" (REsp 604.725/PR, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ
22/8/2005).
13. Recurso Especial
provido.
Notas
Tema: Meio Ambiente.
Informações Adicionais
"[...] a ação de terceiros não isenta o proprietário de responsabilidade civil ambiental por dano ao bem protegido.
Primeiro, porque, conforme jurisprudência pacífica do STJ, cuida-se de responsabilização de feição objetiva e propter rem, ressalvado o direito de regresso. Segundo, porque uma das obrigações do titular do domínio, decorrência da função ecológica da propriedade, vem a ser exatamente zelar pela coisa, de modo a evitar sua degradação ambiental".
publicidade
Ainda sobre o tema Boletim Informativo de Jurisprudência n 430 o TRF 1 entendeu:
Competência. Possessória entre particulares. Área litigiosa cruzada por rios nacionais não demarcada. Local que abriga unidade de conservação e terras indígenas. Bens públicos. Interesse da União em integrar a lide. Questão prejudicial ao mérito da demanda inicial. Tutela do meio ambiente. Justiça Federal. Ainda que o feito na origem se refira a posse entre particulares, o interesse da União se mostra prejudicial ao exame do mérito da demanda inicial, confirmando-se a competência da Justiça Federal, por ser a área litigiosa banhada por rios nacionais ainda não demarcados, assim como destinada a unidade de conservação federal, além de englobar reserva extrativista e terras indígenas. Unânime. (AI 0018831-43.2014.4.01.0000, rel. Des. Federal Souza Prudente, em 29/11/2017.)
Grifos nossos