Para o Superior Tribunal de Justiça a Zona de Amortecimento do Parque Nacional de Jericoacoara é de interesse Federal no que diz respeito. Confira a decisão.
Para STJ Zona de Amortecimento do Parque Nacional de Jericoacoara é de interesse Federal.
1. Cuida-se,
na origem, de
Ação Civil Pública
ajuizada pelo Ministério Público Federal com a finalidade de condenar
o recorrido à obrigação de fazer consistente na demolição de imóvel
construído na Vila de
Jericoacoara, na Zona
de Amortecimento do
Parque Nacional, sem o devido
licenciamento ambiental e em desacordo com a IN 04/2001 do Ibama, e à reparação
do dano provocado pelo impacto da obra irregular.
2. O
juízo de 1°
grau declarou a ilegitimidade ativa do MPF e determinou o
envio dos autos à Justiça Estadual para que o MPE possa avaliar a
oportunidade de ratificação
da petição inicial, sob o argumento de que "o pedido formulado em
absolutamente nada se refere a
questões de interesse
federal. Isso porque
o alegado dano ambiental não
afetou propriedade da
União, suas autarquias ou fundações". Tal
entendimento foi confirmado pelo Tribunal a quo.
PRECEDENTE DO STJ EM HIPÓTESE IDÊNTICA À DOS AUTOS
3. O
STJ já teve a oportunidade de
reconhecer, em demanda idêntica à presente, que o MPF possui
legitimidade ativa ad causam para a propositura de Ação Civil Pública destinada à tutela ambiental da Zona
de Amortecimento do Parque Nacional de Jericoacoara, porquanto evidente
o interesse federal (AgRg no REsp
1.373.302/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.6.2013).
CONCEITO, FINALIDADE E IMPORTÂNCIA DA ZONA DE AMORTECIMENTO ,
4. Segundo definição
legal, Zona de Amortecimento é "o entorno de uma
unidade de conservação, onde as atividades humanas
estão sujeitas a normas e restrições
específicas, com o propósito de
minimizar os impactos negativos sobre
a unidade" (art.
2°, XVIII, da Lei
9.985/2000).
5. Ou
seja, embora não
faça parte, sob o prisma do
domínio, da Unidade de Conservação
em si -
tanto que a gestão do uso e das atividades socioeconômicas privadas
ocorre por meio de limitações administrativas específicas,
sem necessidade de desapropriação e direito à
indenização -, a Zona de
Amortecimento se apresenta, na ótica jurídica, como espaço de transição ou
tampão - verdadeira pele ecológica
ou ecótono administrativamente induzido -, destinado a garantir a higidez da área protegida e reduzir a
vulnerabilidade da biodiversidade
do interior do
fragmento delimitado a
vetores externos, naturais ou
antropogênicos. São perturbações multifacetárias, ora abióticas (umidade, luminosidade,
temperatura, vento, fogo), ora
bióticas (composição, estrutura, abundância e distribuição espacial
de espécies da flora e fauna,
influenciadas por alteração dos
padrões físicos, químicos
e biológicos do sistema).
EFEITOS DE BORDA
6. As
perturbações externas à integridade de Unidades de
Conservação consubstanciam consequências
deletérias típicas do chamado "efeito de borda", fenômeno que
acomete sobretudo áreas protegidas de menor extensão e perímetro mais irregular,
bem como as localizadas
nas cercanias de adensamento populacional, de atividades econômicas, com destaque para o turismo e a
agropecuária intensiva onde ocorra largo emprego de agrotóxicos. A instituição
de Zona de Amortecimento exprime resposta minimizadora
da Biologia da Conservação e do ordenamento jurídico a tais distúrbios.
INTERESSE NITIDAMENTE FEDERAL
7.
Verifica-se interesse nitidamente federal. A finalidade principal da Zona de Amortecimento
é minimizar impactos negativos e
efeitos de borda
na própria Unidade
de Conservação. Portanto, à
União, proprietária e guardiã maior da integridade de Parque Nacional, também importa e incumbe
zelar para que se respeite
a função defensiva
do tampão. Ela
pode, evidentemente, delegar aos
Estados e Municípios suas atribuições de licenciamento e
fiscalização, mas sem que tal implique alterar a legitimação ativa
do Ministério Público
Federal e a
própria competência da Justiça
Federal, pois despropositado admitir possa a Administração Pública
manipular e selecionar, a seu bel
prazer, a jurisdição que melhor lhe convém.
8. Acrescente-se que, nos termos da Lei
11.486/2007, que alterou os limites
originais do Parque Nacional de Jericoacoara, cabe ao órgão federal (agora
o Instituto Chico
Mendes - ICMBio) administrar a Unidade
de Conservação, "adotando as
medidas necessárias a sua efetiva implantação
e proteção" (art. 4º, grifo acrescentado). Por outro lado,
o legislador prescreveu
que, excepcionadas duas modalidades peculiares,
todas as Unidades
de Conservação "devem possuir
uma zona de
amortecimento",
acrescentando que o "órgão responsável pela
administração da unidade
estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento" (art.
25 da Lei 9.985/00). Cuida-se de tripla obrigação: de
instituir a Zona de Amortecimento, de regular e de fiscalizar
sua ocupação e uso.
9. A
se aceitar, conforme dicção
explícita da lei, que, em regra, inexiste
Unidade de Conservação (aí incluídos os Parques Nacionais) verdadeiramente protegida
sem a correlata e imprescindível Zona de Amortecimento, há de se concluir que, no dominus daquela,
para fins de garanti-la de
modo eficaz, converge
interesse direto na integridade desta
(daí o triplo
dever estatal de instituição, regulação e fiscalização).
COMPETÊNCIA FEDERAL
10. As
normas de competência
absoluta são cogentes,
indisponíveis e inderrogáveis. Logo,
irrelevante a existência de
Termo de Ajustamento de Conduta do órgão federal com autoridade estadual
ou municipal, ou que tenha aquele
manifestado expresso desinteresse no
processo. Traduziria absurdo admitir que cláusulas contratuais
e, pior, incúria por excesso de
trabalho ou debilidade vocacional, ou mesmo omissão ímproba de agente público, sirvam
para afastar legitimidade ad causam e competência federal que encontram na Constituição e nas leis, quando não na
lógica e no bom senso,
sua razão de ser.
PROPRIEDADE DO BEM AMBIENTAL PROTEGIDO É APENAS UM DOS
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA
FEDERAL
11. Incontroverso
que o ilícito ambiental se deu
em imóvel particular, fora do Parque Nacional, embora no interior da Zona de Amortecimento, o que
levou o julgador a concluir que,
"não sendo o
alegado dano localizado em bem da União", incompetente
a Justiça Federal. Conforme entendimento do STJ, mister não confundir, para fins de
competência, bem danificado com bem afetado:
"Em matéria de Ação Civil Pública ambiental, a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se
manifesta (mar, terreno de marinha ou Unidade de Conservação de propriedade da União,
p. ex.) é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do
Parquet federal. Não é porque
a degradação ambiental se deu em imóvel privado ou afeta res communis omnium que se afasta, ipso
facto, o interesse do MPF"
(REsp 1.057.878/RS, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, DJe 21.8.2009).
12.
Recurso Especial provido.
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Imagem: Por "U L" - https://www.flickr.com/photos/ulisseslino/4765473648/, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=35342898
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- Dicas de Preparação para Concursos na Área Ambiental.
- 6 Pontos Relevantes da Lei de Crimes Ambientais
- 15 Questões da Lei da Educação Ambiental. Lei 9.795/99, com gabarito.
- Aplicação do Princípio da Insignificância no Direito Ambiental.
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Autor:
Ronaldo G. da Silva é Advogado, Biólogo, Professor e Palestrante; Consultor Jurídico concursado no Serviço Público; Pós-graduado em Educação pela UFF/RJ; MBA na Área Ambiental (UNESA); Membro da Câmara Técnica da Cadeia Petróleo e Gás da PMDC.
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